quinta-feira, 26 de abril de 2012

Soma e sarx.

Poucas vezes faço uso da sinédoque “carne” para referir o "corpo físico", de tão diferente é a natureza da carga semântica que cada uma destas palavras comporta. Lembro-me de em criança me arrepiar, ao enunciar o Credo dos Apóstolos, a concreticidade a que esta palavra arrasta o mistério da "ressurreição". Era proclamar que cria no que não queria, querendo o «corpo espiritual» anunciado em 1 Cor 14:44. Neste ponto pareceu-me mais feliz o Credo niceno: (creio) «na ressurreição dos mortos», ainda que acolhesse aqui a impressionante correcção proposta pela minha filha, quando tinha cinco anos:«os mortos, não: os que morreram». (Cheguei a utilizar esta distinção para explicar a diferença entre um epíteto, um classificador e um qualificador como constituintes - adjuntos adnominais - do grupo nominal).

Fui (em tempos) confirmar se seria soma (e não sarx) o termo grego (por sua vez tradução do aramaico) que na Vulgata era traduzida por corpus nas palavras da consagração hoc est enim corpus meum. Confirmei-o:  Touto estin to soma mou (Marc 14:22, Mat 26:26, Luc 22:19). Em 1 Cor 11:24 (texto anterior ao dos evangelhos) a ordem das palavras é ligeiramente diferente: Touto mou estin to soma. No entanto, sarx - especificamente para "carne" - surge em Jo 6:52-58, e.g. «quem come a minha carne e bebe o meu sangue». Encontrei aqui informação a este respeito relevante: (...) The Aramaic scholars I have spoken to tell me that sarx is as close as you can get in Greek to the Aramaic bisra, which Jesus himself used.
Seja soma, seja sarx o termo utilizado, a «presença real» de Cristo nas espécies consagradas estará na realização experiencial do símbolo e não no entendimento literal ou metafórico do seu modo de expressão.