terça-feira, 28 de junho de 2011

continuando

Da aceitação de que o "sentido" do texto - muito em especial, do poema - seria aquele que o leitor lhe descobrisse no acto de o ler, depressa se passou à admissão de que esse "sentido" se delinearia como resposta às «solicitações» que o leitor fizesse ao texto ou o texto ao leitor, para finalmente se chegar à posição de acordo com a qual o sentido não está feito, antes emerge,  irrompe ou sobrevém, independentemente dos pensamentos (ou intenções) de quem tenha escrito o texto, tornado autónomo.

A ideia quer da emergência ou irrupção de sentido nas palavras, quer da sua sobrevinda (que leva ao "terceiro" actuante na tríade que através dele se constitui), não exclui, porém, a relação, em diferentes modos de ser, que se instaura entre quem fala/escreve e quem escuta/lê, ainda que nas formas, criadas pelo texto, de "sujeito da enunciação" e  seu enunciatário (pessoal ou impessoal, singularizado ou pluralizado,  directo ou oblíquo).
Se a "autotelicidade" do texto faz desaparecer, com o anjo-mensageiro, também o eu e o tu reais e tudo assume uma existência puramente virtual no texto e pelo texto, prefiro acreditar nos anjos e reconhecê-los como intervenientes, ao mesmo título que o eu e o tu, na ligação trina para que concorrem com o seu contributo próprio.

pensamento e palavra (revisited)

De recapitulação em recapitulação, se abre adiante a via, ainda que me pareça não ver avanço. No entanto, se fizer uma experiência tão simples como ir lendo sucessivamente para trás no tempo os posts aqui escritos dá para constatar a «lei da suplementaridade» e a différance em acção. «Chegar ao fim é voltar ao princípio e ver tudo pela primeira vez». Poderia dizer-se que T.S.Eliot pressentiu tudo isto antes de Derrida? Ou é a essência simbólica do seu enunciado que propicia a "invenção" de um "já" que  se manifesta como lá tendo estado sempre? Um símbolo não se deixa confinar entre os muros das interpretações e dos sentidos feitos, nem mesmo os que forem levantados pela mão a quem ele deve o seu suporte verbal.

Numa imagem conceptual como aquela em que T.T. relaciona os pensamentos com anjos («thoughts are angels sent abroad») o que emerge à luz do agora deve a essa luz a sua emergência, tanto quanto às palavras de que irrompe e em que se sustenta. Por um lado, o pensamento, por ser verbalizado e expresso, não perde com isso a sua essência de pensamento; por outro lado, as palavras, se lhe facultam um suporte físico, também concorrem com o seu contributo próprio, independente do pensamento que lhes tenha sido confiado. Será contando com esse contributo que os pensamentos não são olhados como mensagens, mas como mensageiros, «anjos», no sentido etimológico do termo,   postos ao nosso serviço? Como realizam eles a sua missão?

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Dia do Corpo de Deus



A acompanhar este vídeo para o dia de hoje escolhi este comentário (colhido aqui), sendo o carregado meu:
Every sin Mozart ever committed is forgiven by this sublime motet. I sang it in cassock and surplice as a choir boy, and in my ignorance and innocence knew nothing except that it was somehow worthy of the pale Host in the monstrance, standing amongst the candles on the altar, loving me.

O tema é, naturalmente, inesgotável e suscita diferentes rumos de reflexão. Um desses rumos é sugerido neste vídeo constituído por cenas de filmes que envolvem modos necessariamente metafóricos de representar a continuidade da vida para além desta que conhecemos: 

terça-feira, 21 de junho de 2011

reaching out for thee

Interpretar um poema envolve inevitavelmente quebrar a inteiridade (wholeness) inerente ao acontecimento-símbolo que a palavra instaura, na pureza ainda não maculada pela interpretação que se me manifesta como um dado imediato da consciência.
A impressão que me deixa qualquer interpretação que faça é comparável à de ver nos dedos o pó das asas de uma borboleta que tivessem prendido entre eles e depois soltado. Um símbolo é-o para cada um na sua singularidade individual e pessoal única. Um poema desta natureza suscita uma resposta, também ela inteira, que pode tomar diferentes formas de expressão, verbal e não verbal, formas que já aqui comparei aos diferentes modos que a oração pode assumir. E estou a pensar naquele em que o orante toma do texto lido o passo ou momento que mais o tocou e o lê em voz alta, acompanhando-o (ou não) da verbalização do sentir/pensar que lhe suscita ("glosa"), dirigindo-a a um Tu presente entre os presentes reunidos em Seu nome, um Tu que é mais íntimo a cada um do que o seu mais íntimo e profundo "eu".  «Saborear a Palavra», chamam-lhe alguns salientando o carácter fundamentalmente empírico desta experiência. De natureza afim diria ser a que o poema propicia. 
Envolvendo um testemunho, tem, naturalmente, o perigo que lhe é inerente: ante a abertura e a oferta de todo um espaço de projecção, logo o eu superficial e voltado para si mesmo, tentado pela sedução do protagonismo, tende a lançar-se para a frente para o ocupar, respondendo a um apelo que lhe não é feito, dirigido que é ao eu profundo, ao que se vê como caminhante e que tem sempre presente o que o faz caminhar.  Como dar voz a esse eu profundo, se é no silêncio que ele fala, sob o marulhar das ondas de superfície? Como calá-las para que nesse silêncio o escute?
Testemunho é tudo o que diga não sobre o poema que me toca, mas sobre o ser tocada por esse poema no mais fundo de mim mesma. E o que diga é sempre no desejo de dar voz ao que aí responde a esse toque. Das palavras da canção que aqui coloquei há dias tomo as que dizem um modo de resposta: reaching out to thee.

a assinalar o Domingo da SS. Trindade

Domingo passado foi a festa da SS. Trindade, celebração que quero aqui assinalar com este trecho musical:




Noi canteremo gloria a Te, Padre che dai la vita, Dio d'immensa carità, Trinità infinita.

E ainda este,na simplicidade da letra e da música:

sexta-feira, 17 de junho de 2011

a narrativa, o desenho, o poema

A perspectiva da vida como caminho de conhecimento, mas também de aperfeiçoamento do "eu" que caminha parece-me ser o que fundamentalmente lhe assegura unidade face à precariedade da que lhe confere o protagonista caminhante, confrontando-se, a cada encontro, com uma sempre outra imagem de si mesmo, sem que de máscaras (personae) verdadeiramente pense tratar-se,  nem de (dis)simulação. Falo, obviamente dos encontros relevantes em termos da caminhada.  Haverá um "eu" em relação ao qual possa olhar os outros como não autênticos? Não o serão todos um pouco, cada um a seu modo? Será, pois, o caminho que, envolvendo o caminhante, confere uma "unidade temática" às diferentes linhas isotópicas que percorrem a narrativa que houver de fazer da viagem. Um caminho que não está aberto, antes se vai abrindo numa direcção que se manifesta numa força de atracção que torna sensíveis tanto as convergências como os desvios.

O reconhecimento de "linhas isotópicas" a ligar os flashes de que é feita a memória fá-los funcionar como símbolos no plano da narrativa que assim se constrói, conferindo-lhe uma complexidade à semelhança da da realidade de que se faz imagem. Se assim se tornam significativos dentro da história narrada (sempre precária, na insustentabilidade das configurações), também concorrem para que, do todo desta, emerja um sentido (ou vários) para o momento que corre.

A narrativa torna-se, assim, factor interveniente no processo em curso, quando este processo é visto não como via a seguir, mas como via a abrir. Se a narrativa se pode substanciar na escrita, os acontecimentos-símbolos que concatena podem concretizar-se em imagens, configurações, desenhos, que, arrancados ao tempo, fazem sentido no agora.
Se com a narrativa o poema comunga a palavra, só o poema com esta faz surgir o próprio acontecimento-símbolo na pureza do mundo que instaura (a pureza do «mundo não interpretado»). Diria ser o poema a materialização verbal do momento em que um especial dom da graça toca a vida-via do caminhante e nele faz assomar o Poeta.

domingo, 12 de junho de 2011

Domingo de Pentecostes

Escolhi estes vídeos para este dia do Espírito Santo:





O ewiges Feuer, o Ursprung der Liebe,
Entzünde die Herzen und weihe sie ein.
Laß himmlische Flammen durchdringen und wallen,
Wir wünschen, o Höchster, dein Tempel zu sein,
Ach, lass dir die Seelen im Glauben gefallen.




Wohl euch, ihr auserwählten Seelen,
Die Gott zur Wohnung ausersehn.
Wer kann ein größer Heil erwählen?
Wer kann des Segens Menge zählen?
Und dieses ist vom Herrn geschehn.

sábado, 11 de junho de 2011

a ligação com o "outro"

Tento ver para além dos atritos que surgem sempre como se fossem inerentes às ligações que estabeleço, com o assentimento do "outro", num mundo em que estou, mas de que não sou. Tento ver o que esta situação representa em termos de libertação de uma auto-imagem cuja defesa (e nesta radica muito do atrito) constitui um obstáculo sério no desejado avanço para uma maior claridade.

Se não ligar as «cenas» entre si através dos nexos que lhes descubro neste esforço de "ver", se viver cada uma delas em separado, terei tendência em privilegiar aquelas em que nem sequer há lugar à defesa da minha auto-imagem (antes pelo contrário, se a sinto «incensada»), quando são precisamente as que maior perigo representam para o «caminho» a abrir, na orientação para que me sinto atraída como limalha de ferro para um íman. É indiscutível que é  ao serviço desta força que estão os atritos que advém de lesões infligidas à auto-imagem do eu superficial, vão e egoísta. Ultrapassar esses atritos é deixar vencer o eu profundo, essencial, aberto ao "outro" e pronto a acolhê-lo como ele é.

Que faço eu? Não hesito em queimar incenso sobre o altar do "outro" quando a tal me move o impulso de o elevar aos seus próprios olhos, quando se me manifesta nele o élan que, por si só, o eleva aos meus. Estarei eu a alimentar com isso a sua vaidade? Ou estarei a reforçar positivamente o seu avanço oferecendo-lhe um espelho que puramente  reflicta o seu eu profundo? Até que ponto considerará puro esse espelho? Até que ponto não descortinará intenções egoístas por detrás da minha oferta? Que procuro eu no desejo, que não deixa de lá estar também, de o comprazer, de lhe ser grata? A oferta será tanto mais pura quanto a ligação advier do encontro dos arcos da ponte que um e outro lance para o Outro, sem excluir - ou mesmo contemplando - a possibilidade de uma intercessão, algures, a meio caminho para o outro lado. Haverá comprazimento mútuo, porém, por acréscimo, não como finalidade em si mesmo, não como objectivo a alcançar como tal.

rainbow bridge

Deixei o link, mas transponho para aqui o texto que a imagem acompanha (a ambiguidade gramatical é deliberada, acrescentando-lhe o final omisso (o carregado é meu):

Just this side of Heaven is a place called Rainbow Bridge. When an animal dies that has been especially close to someone here, that pet goes to Rainbow Bridge. There are meadows and hills for all of our special friends so they can run and play together. There is plenty of food, water and sunshine and our friends are warm and comfortable.

All the animals who had been ill and old are restored to health and vigor; those who were hurt or maimed are made whole and strong again, just as we remember them in our dreams of days and times gone by. The animals are happy and content, except for one small thing: they each miss someone very special, someone who was left behind.

They all run and play together, but the day comes when one suddenly stops and looks into the distance. His bright eyes are intent; his eager body begins to quiver. Suddenly, he breaks from the group, flying over the green grass, faster and faster. You have been spotted, and when you and your special friend finally meet, you cling together in joyous reunion, never to be parted again. The happy kisses rain upon your face; your hands again caress the beloved head, and you look once more into those trusting eyes, so long gone from your life, but never absent from your heart.

Then you cross the Rainbow Bridge together...

~ Author Unknown

Escolhi este vídeo com uma canção decalcada sobre este texto e acrescida, no fecho, pelas palavras «when Jesus calls your name»:

de corpore

imagem colhida aqui
É, naturalmente, a poesia que, como a beleza,  alcança lançar «a ponte do arco-íris» sobre a distância que nos separa da Compreensão. Gosto particularmente desta "visão"  em que junto desta ponte nos esperam, para a passar connosco, os anjos de quatro patas que por um tão curto espaço de tempo nos acompanharam aqui. Uma ponte feita de luz que é também a mão da Compreensão quando nos toca, e que experienciamos como poesia, beleza, graça. 
O que em nós vibra a esse toque diria ser o «corpo espiritual» que em nós se desenvolve, repercutindo-se essa vibração no nosso «corpo natural». Não é de surpreender que, neste, a espera traga momentos de desassossego, como os conhece a mulher que aguarda a hora de dar à luz o novo ser que já traz em si. Sabendo-o, porém, será louca se não fruir cada momento em que o tem em si, como nunca mais do mesmo modo. 
Nesta analogia, deixo tantas vezes passar ao largo esta alegria, que é a Sua. Se é esse corpo mais leve que a sente e estremece, ela não deixa de se repercutir no corpo mais denso. Isabel, bendiz aquela que a visita e o fruto do seu ventre, e dá-lhe conta de que sentiu o filho saltar-lhe no seio à sua voz. Um poema que lança a ponte do arco-íris a ligar as margens é comparável no seu efeito à voz de Maria aos ouvidos de Isabel: estremece o que já é em nós. 

Quando o pensamento me foge para os que nada sentem disto, para os que ficam indiferentes, evoco as palavras que Teresa d' Ávila Lhe escuta quando Lhe manifesta a mesma apreensão: «Que se te dá a ti os outros?» Na verdade, o meu papel junto do outro é única e simplesmente o de confirmar com o meu testemunho o que ele conhece já, como outros fizeram e continuam a fazer comigo. Despertar uma memória esquecida, na sua fragilidade de «voo de pássaro».

Se o que tenho escrito surge suscitado pelo poema «Memória», não é obviamente uma interpretação, nem sequer um comentário. Apenas o testemunho de um estremecimento, do qual muito ainda fica por dizer, talvez precisamente o mais misterioso, o que me parece ter sido proposto como tema de reflexão para este troço do caminho e que me tem criado tanto estranhamento e perplexidade. Falo, claro, do «outro». O «outro» que é também corpo natural e corpo espiritual, chamado a ser um dia, à Sua semelhança, «corpo glorioso». O que é que em mim também por ele  «em desassossego espera»?

sexta-feira, 10 de junho de 2011

de novo a questão da linguagem

colhido aqui
A questão da linguagem (que é também a do pensamento verbal) coloca-se sempre que está em causa uma ordem de realidade que (e é já um lugar comum dizê-lo) extravasa as coordenadas de espaço e de tempo que nos confinam. Quando tento falar de «corpo espiritual» (já nem falo de «corpo glorioso»), sinto-me uma larva de libélula que pretendesse discorrer sobre o modo de ser do insecto perfeito que pressente em si, mas que nunca viu e só saberá o que é no dia em que rastejar para fora de água e passar além da película luminosa que separa o meio aquático do meio aéreo, além da qual nada vê. A inversa não é verdadeira...de fora, se a água for límpida, a libélula pode continuar a ver as larvas/ninfas que a viram partir sem regresso.

Seja qual for a linguagem que escolha para tratar um tema desta ordem, será sempre metafórica ainda que a disfarce de filosófica ou científica. É por isso que , sem deixar de explicitar esta reserva, opto pela linguagem religiosa (naturalmente aquela com que estou familiarizada). Proporciona-me não só palavras, mas também imagens e «cenas», que funcionam como constituintes maiores, combináveis, tal como as frases no texto, por relações lógico-semânticas. É óbvio que, tal como há diferentes graus de domínio de uma língua natural, também os há no que toca às linguagens, muito especialmente esta. O reconhecimento da sua essência simbólica é crucial no seu uso, do «elementar» ao «avançado».

Cada vez tomo mais clara consciência de que me cinjo aos textos evangélicos e assumo um distanciamento crítico relativamente à chamada «tradição da Igreja» (textos conciliares e obras dos «Padres da Igreja»). Se há tanta coisa a que se me cerram as portas do coração! Tanta coisa que me parece distorcer a Sua Palavra nos testemunhos mais directos e próximos. Tanta coisa que se reduz a interpretações,  impostas todavia ao longo dos séculos como verdades inquestionáveis. 
Ser cristã é simplesmente amar Jesus, como Maria ou como Marta.

quinta-feira, 9 de junho de 2011

o testemunho e a sua recepção poética

Tenho, desde Domingo, em compasso de espera este post, que abri para assinalar a Ascensão de Cristo com este trecho de Himmelfahrts-Oratorium de Bach:


A espera não se deve só às tarefas do quotidiano, deve-se também a esta cada vez maior dificuldade em pôr ordem na corrente de pensamentos, que se contrapõem, confrontam e enredam numa confusão que me impede de discernir o que, indistintamente ainda, se configura no «tempo que resta».

«Semeia-se corpo natural, ressuscita-se corpo espiritual», escreve S. Paulo (Cor I, 15:44). Tratando-se de uma ordem de realidade a que não temos acesso enquanto neste «corpo natural», o «maravilhoso» é a via privilegiada por que nos pode tocar a sua «compreensão» (ou, numa outra linguagem, o Espírito).Diria que um sinal de que tal acontece é o poético irromper nesse ponto na sua especial e inconfundível beleza. S. Paulo não fecha o texto à possibilidade desta irrupção. O mesmo fazem os evangelistas nos seus testemunhos que, como tal, deverão em primeiro lugar ser lidos.

A cena da ascensão, bem como todas aquelas em que Cristo ressuscitado aparece, solicitam esta leitura, porventura mais do que as que antecedem a Sua morte e ressurreição,  acrescida do que poderia chamar uma recepção poética. Para este modo de ler o relato evangélico, o corpo natural de Jesus ressuscitado é agora o corpo espiritual glorioso de Cristo, sem que Jesus deixe de ser o mesmo. Não confinado ao espaço e ao tempo, livremente se pode tornar presente onde, quando e como quer (Maria não o reconhece no jardineiro, os discípulos de Emaús não o reconhecem naquele que os acompanha na caminhada, mas, estando fechadas as portas e janelas, aparece no meio dos onze com o aspecto que lhes é familiar). Uma inquestionável beleza poética religa a cena da ascensão do Filho e a descida do Espírito Santo no dia de Pentecostes, cumprindo as Suas palavras: «Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos».

sábado, 4 de junho de 2011

uma mensagem de harmonia, uma religião de beleza

Acabei de ler o desfecho, naturalmente, e como não podia deixar de ser, o esperado, da história de Mani em Os jardins de luz.
Do epílogo transcrevo ainda um passo:


Déformé, son nom?
Si ce n'était que cela!
De ses livres, objects d'art et de ferveur, de sa foi généreuse, de sa quête passionée, de son message d'harmonie entre les hommes, la nature et la divinité, il ne reste plus rien. De sa religion de beauté, de sa subtile religion du clair-obscur, nous n'avons gardé que ces mots, «manichéen», «manichéisme», devenus dans nos bouches des insultes. Car tous les inquisiteurs de Rome et de la Perse se sont ligués pou défigurer Mani, pour l'éteindre. En quoi était-il si dangereux qu'il ait fallu le pourchasser ainsi jusque dans notre mémoire?

quinta-feira, 2 de junho de 2011

a «esperança» de Mani /Amin

Li mais umas páginas de Os jardins de luz, a chegar ao fim. Não se trata nem de uma nova religião nem de uma nova igreja, mas de um projecto de paz para o mundo, um projecto a que o protagonista chama «a minha esperança», que é também a de Amin Maaloof, ou não fosse ela o sopro que anima todos os seus livros.

A certa altura, alguém fala de bem e de mal, ao que Mani responde: «nunca ouviste essas palavras pervertidas na minha boca». Nem tão pouco Jesus as usou, mas Caminho, Verdade, Vida, Paz, Luz, Amor. Amin dá-nos a ver Mani levar a «mensagem» que lhe comunica Aquele que lhe fala no silêncio dele mesmo e do mundo. «O seu Gémeo», assim O designa. E o que lhe diz vejo-o contemplado nestas Suas palavras: «Tenho ainda muitas coisas a dizer-vos, mas não sois capazes de as compreender por agora. Quando Ele vier, o Espírito da Verdade, há-de guiar-vos para a Verdade completa.» (João 16,12- 13.)

Muitos são os autores que, ao longo dos tempos, tentaram protagonizar nos seus livros a figura de Jesus, animados de ensejos de toda a ordem. De um modo geral sinto fecharem-se-me as portas do coração ante a maior parte de tais narrativas. Raras são aquelas a que as sinto abrirem-se. Tal é o caso deste livro de Maaloof (Amin é, por sinal, um anagrama de Mani), de O Principezinho, e, entre nós, de O homem sem nome, de João Aguiar.